Eu me sentia realizada. Além de ter um marido bonito ainda havia conseguido sair de casa, eu tinha vencido, eu era quem estava certa, estava orgulhosa da minha vitória sobre minha mãe, eu sabia mais do mundo do que ela, mas no meu íntimo não estava tão bem assim.
Como era no tempo de namoro, continuava a ser, as brigas frequentes e por qualquer motivo, os amigos dele sempre mais importantes, só que agora na nossa casa, e isto me incomodava, e além disto ele considerava o trabalho em primeiro lugar, também só ele tinha o direito de se sentir cansado, mas eu também trabalhava. Cada ida ao supermercado era uma briga, dizia que eu gastava demais, cada roupa que eu vestia era motivo de briga, pois a saia, no ponto de vista dele, era muito curta, a calça era muito justa, me via como um objeto particular dele, era possessivo e extremamente ciumento.
Se estávamos em algum lugar, e alguém olhava pra mim... Pronto! Podíamos ir embora, pois nada mais tinha graça, só havia brigas, e para completar, filhos não fazia parte dos planos dele.
E daí? O que fazer da minha vida? Como reconhecer que eu estava errada? Não, não admitia tal hipótese. Tinha certeza que era só uma fase, ele estava com problemas com os pais, com o patrão, estava estressado e assim fomos passando... Mal sabia eu que estas desculpas iriam continuar por muito tempo...
Até que depois de um exame médico, foi descoberto um problema num dos ovários. O médico disse que se pensava em ter um filho, que fosse logo, pois se o problema atingisse o outro ovário, não conseguiria mais ter filhos. Entrei em desespero. O que seria da minha vida se não pudesse gerar uma criança? Meu maior sonho!
Depois de muitas conversas consegui convencer meu marido. Engravidei... Aí começaram os problemas de verdade, além de que tivemos que sair da casa onde morávamos, procurar outra casa e fazer uma mudança. Eu passava mal, enjôos e pressão baixa. Com 4 meses de gravidez, pesava 47 quilos, passávamos por dificuldades financeiras. Ele estudando e trabalhando, eu trabalhando também... Não tínhamos tempo nem pra ficarmos juntos. E toda aquela paixão? Pra onde foi? Só brigávamos. Eu só chorava e vomitava. Então neste ambiente nasceu meu filho.
Meu "parceiro" chegava cada vez mais tarde, de madrugada, bebia, fumava, e até usava drogas, "coisa leve" como ele me dizia. Com muito esforço, mais da minha parte do que da dele, conseguimos construir nossa casa, com a ajuda dos meus pais, e quando o pequeno tinha três meses, a descoberta da traição... Meu mundo caiu. O chão fugiu dos meus pés. Depois de tudo o que tínhamos sentido e passado, como entender o que estava havendo? Quase morri. Não sentíamos nada um pelo outro, nem carinho, nem amizade, nem companheirismo, apenas indiferença, rancor, mágoas e ressentimentos.
Então eu me fazia algumas perguntas para entender o que estava acontecendo: Onde foi parar a paixão? Para onde foram as promessas? Quem era aquela pessoa que estava do meu lado? Como olhar pra trás e descobrir onde havíamos nos distanciado? Como entender o que estava acontecendo?
Decidi me separar dele.
Depois de muitas conversas e o apelo da minha sogra, voltei atrás e decidimos continuar vivendo juntos. Mas outro tormento vinha chegando: a vontade de "dar o troco". Deixei a mágoa, o ressentimento tomar conta de mim. Mudei meus hábitos, comecei a usar todas as roupas que ele não gostava que usasse, roupas mais curtas, mais justas, mais decotadas, mudei meu comportamento, me soltei mais, comecei a fazer ginástica, me aproximei mais das pessoas, fazia alguns cursos à noite, minha sogra me apoiava e me incentivava. Não era a pessoa mais indicada para me auxiliar em coisa alguma, era nesta época, separada e vivia às custas de homens que a sustentavam, mas na época aceitei sua ajuda, precisava de alguém que me entendesse e julgava que ela era mais experiente que eu, então não via nenhum problema em aceitar os conselhos dela quando me dizia que eu devia fazer com que meu marido sentisse ciúmes, que eu devia sair mais e não me preocupar tanto com ele. Aceitei seus conselhos sem me dar conta de que ela era uma pessoa doente, que tinha péssimos hábitos e comportamentos.
Diante dessas mudanças, comecei a chamar atenção no meu ambiente de trabalho, antes era discreta tanto na forma de agir, como na maneira de me vestir e de repente mudei todo o meu comportamento, meu vestuário, e é claro que as pessoas notaram, comecei a receber cantadas e não via nada de errado nisso, pois considerava isto algo normal, acontece com tanta gente! Que mal poderia haver em chamar a atenção, em receber cantadas, em querer dar o troco? Agora eu me sentia "vingada" por tudo o que ele havia me feito, me sentia bonita, afinal, estava sendo notada. Mas não demorou muito para perceber o passo errado que eu estava dando. As brigas e discussões em casa foram ficando insuportáveis e minha vida se transformou num inferno. Brigávamos por qualquer coisa, não tínhamos uma vida em comum, não tínhamos um objetivo de vida. Nenhum dos dois queria ceder e aceitar que não tínhamos condições de viver daquele jeito.
Eu sabia que ele tinha errado, mas eu também errei em querer me igualar a ele. Se tivesse ouvido a voz da minha consciência, se tivesse percebido o amor que poderia dar e fazer brotar daquele relacionamento. Mas sentia que ainda tínhamos chances. Olhava para o meu filho e me sentia culpada por tudo o que estava acontecendo. Minha família nem sonhava com o que estava acontecendo, não contava nada a eles.
Uma amiga minha estava fazendo análise com uma psicóloga que havia chegado a cidade, e senti vontade de me descobrir, pois estava perdida. Comecei a fazer terapia e fui me descobrindo através da psicanálise. Percebi que ainda tinha jeito, que ainda podíamos voltar a ter uma vida em comum, pois a idéia de separação que me atormentava, começou a retroceder.
Ele tinha muitos problemas de infância, foi muito infeliz e havia trazido todos aqueles problemas para o nosso relacionamento, não conseguia enxergar o quanto estava errado em algumas opiniões e deveria se modificar para que o nosso casamento pudesse continuar. Foi sugerido pela terapeuta que ele também fizesse terapia, mas ele dizia que não precisava de nada, que era tudo invenção da minha cabeça, que eu arrumava problemas onde não existia, que eu queria era gastar dinheiro com coisas inúteis e passageiras, enfim, jogou mais uma vez a culpa toda em cima de mim e caiu fora. Não me acompanhou no tratamento, mesmo a terapeuta me explicando que o problema dele era muito sério e que a possibilidade de ficar cada vez pior era muito grande.
Por indicação de outra amiga, me aproximei da doutrina espírita, ela me trazia livros e eu os devorava.
Passei no vestibular e voltei a estudar, engravidei novamente, as brigas recomeçaram, as discussões, a bebedeira, a agressividade dele, tanto comigo quanto com os meninos. O inferno voltou! Me dizia que nunca queria ter tido filhos, que eu estraguei tudo, que não tínhamos condições financeiras para mais uma criança. Como não tínhamos condições? - eu me perguntava - eu tinha um emprego, ele havia montado uma micro-empresa, não sobrava dinheiro, mas ninguém passava fome e eu podia trabalhar, tinha saúde, ele também, e me perguntava do que ele reclamava tanto! Me formei, voltei a fazer terapia, estudei novamente, terapia novamente, meu filho menor adoeceu, fazia tratamento psiquiátrico, tomava medicamentos, tinha comportamentos estranhos, como tirar toda a roupa, não dormir à noite, se adormecia acordava chorando. O médico tinha receios que poderia vir a sofrer de esquizofrenia. Nesse meio tempo, me dediquei mais a fundo a doutrina Espírita, passei a freqüentar o Centro Espírita com meu filho e aí fiquei ainda mais confusa.
Tomei consciência de que as coisas não acontecem por acaso, que temos erros a reparar, que somos todos irmãos e que os sofrimentos servem para amadurecermos. Então, como entender a vontade de me separar? Como continuar casada se a vida em comum não existia, somente brigas, discussões...
A separação aconteceu! Três anos de namoro, quase quinze de casamento, metade da minha vida tinha sido com ele. Como recomeçar do zero?