Que estranha ligação elas sentiam uma pela outra, Berta e Paula tornaram-se mais que amigas, eram confidentes, eram cúmplices de um mesmo ideal. Paula com seus dezoito anos já idealizava planos de atividades para auxílio ao próximo. Apesar de sua mãe ter-se tornado uma empresária bem sucedida, com uma cadeia de perfumarias, sabia que ela não iria querer usar seu dinheiro em seu sonho.
Isabela quanto mais possuía, mais queria, depois que conheceu as facilidades que o dinheiro fornecia tinha pavor da vida anterior. Após dezoito anos aquele espírito alegre havia desaparecido, foi substituído pela ânsia de ter mais. Sua mãe, em vão, tentava aconselhá-la, tentava ter de novo a filha alegre, feliz com tudo. O trabalho virou o vício dela, mas na verdade era o medo da solidão que realmente a estava afetando. Ao ver sua Paula já maior de idade; seu filho já pensando em se casar; sua mãe enfraquecendo, suscetível a qualquer gripe e com constante reumatismo; sentia a falta de não ter conseguido um bom companheiro, só o trabalho a fazia esquecer, era algo permanente, pessoas dependiam de suas decisões. O dinheiro a compensava da imagem que via no espelho, das rugas que não respeitavam os tratamentos de beleza, as máscaras de creme, as horas perdidas nos salões. Muitas vezes se pegava pensando sobre o que faltou, se era a falta de um marido, não, achava que não. Sempre tivera o amor dos filhos e da mãe, eles eram suficientes. Então o que faltou em sua vida?
Paula ia constantemente a casa de Berta. sentavam na cama e punham-se a idealizar. A filha de Isabela estava se preparando para o vestibular, ainda tinha dúvidas sobre o que fazer, se devia seguir o irmão que estava no segundo ano de medicina, ou se devia fazer algo que fosse mais abrangente na ajuda aos necessitados.
Adriano pensava em se casar tão logo se formasse. Sua mãe insistia nesta condição para dar todo o seu apoio financeiro. Era estudioso, pensava em se formar, montar um consultório e ganhar muito dinheiro. Várias vezes, discutia com a irmã sobre isto, e ela vinha com o papo de que aquela profissão deveria ser para o bem da humanidade, que ele deveria estar visando os benefícios que poderia proporcionar àqueles que não tem condições financeiras para cuidar de sua própria saúde. Ele rebatia, dizia que se estava fazendo medicina é porque havia se esforçado para passar no vestibular, que estudava muito para estar entre as maiores notas, portanto merecia ganhar muito dinheiro com isso, e somente atendendo aos caprichos dos ricos poderia fazer fortuna, que a ajuda aos pobres ficasse para aqueles que passavam raspando, os últimos lugares, esses sim deveriam ficar em hospitais públicos atendendo as feridas mal-tratadas, limpando a sujeira das ruas.
Entre opiniões diferentes, não aceitando as palavras de seu namorado, querendo encontrar o como criar algo novo, algo não viciado pela maldade humana, Berta que havia parado de estudar para trabalhar como técnica em programação em uma firma de seu tio entristecia-se ao ouvir o seu namorado, gostava muito dele para entrar em discussão, apoiava totalmente as palavras de sua amiga e rezava pedindo a Deus para que encontrasse uma solução conciliadora.
Paula resolveu, faria medicina também, mas não iria discutir mais, seria a melhor da classe, e depois utilizaria o que aprendeu da melhor forma possível Com o diploma de médica e estudando outras alternativas de tratamento, mais naturais, poderia sustentar melhor a saúde das pessoas carentes e possibilitar a elas condições de trabalho Sonhava com a criação de um Hospital-Sítio-Escola, aonde teria o tratamento adequado ao restabelecimento natural do doente e ao mesmo tempo produzir remédios naturais. Nesta escola com os seus conhecimentos de medicina, aliada a outras pessoas com mesmo ideal, possibilitaria a educação de crianças pobres e haveria o ensino de produção de alimentos saudáveis e remédios fitoterápicos. Tinha visto alguma coisa sobre isto na televisão. Mas não poderia falar disso para sua mãe e seu irmão, a única pessoa que saberia era Berta e, quem sabe, sua avó.
O sonho passou a evoluir e tomava cada vez mais forma de um ideal, já conseguia ver na tela da mente a paisagem. Um hospital, um laboratório bem equipado, plantações diversas, piscina para recuperação de traumatismos físicos, cavalos para crianças especiais, e muito mais.
Estudou, estudou muito e foi aprovada em décimo-quinto lugar. Sua mãe cheia de orgulho presenteou-lhe com um carro importado. Seu irmão meio ciumento, mas também feliz pelo seu sucesso abraçou-a dizendo:
_ Agora quero ver se você vai ou não vai me dar razão. Você conseguiu pelo seu esforço uma ótima aprovação. Vai continuar pensando em desperdiçar isto com um bando de pobres?
A moça rindo mais internamente do que na aparência se manteve em silêncio. Berta estranhou seu comportamento, aquilo tinha alguma coisa. Já conhecia bem a amiga para saber que ela continuava a discordar do irmão, mas porque será que ela não respondeu? Aí tinha coisa!
Saíram todos, a família e Berta para um restaurante que eles costumavam ir para comemorar qualquer acontecimento. A namorada de Adriano estava cada vez mais curiosa, não via a hora de estar a sós com a amiga e descobrir o que havia por debaixo daquele silêncio, devia ser algo grande. porque ela não era de esconder nada, gostava de dividir seus pensamentos com todos, nunca tinha segredos.
Finalmente, no dia seguinte, eis que Paula chega no quarto da sua futura cúmplice de ideal, entra excitada, gostando de ver o olhar arregalado da amiga, faz como se não tivesse percebido, senta na cama. Berta roendo de curiosidade fala:
_ Para com isso! Fala logo!
_ O que? Não sei do quê você está falando.
_ Não seja má! Não está vendo como estou curiosa?
_ Curiosa de que?
_ Eu te conheço, você não revidou às palavras de Adriano. Só pode ser por alguma coisa que você está escondendo.
_ Bem... Sim, tem uma coisa.
_ Eu sabia.
_ Mas ainda é só uma idéia que tive há um tempo atrás.
_ Vamos! Fale!
_ Eu não falei nada contigo porque o primeiro passo era passar no vestibular.
_ Então?
_ Agora que já passei tenho que ir com calma. Você sabe que minha mãe nunca soltaria dinheiro algum para um projeto filantrópico.
_ Sim, eu sei.
_Pois então, com a sua ajuda vamos tornar real a idéia que tive.
Paula conta os seus planos para amiga assustada e admirada.
_ Mas Paula. como você vai fazer isto, é preciso muito dinheiro, e agora mesmo você falou que tua
mãe nunca iria ajudar.
_ Bem, durante os próximos anos vou procurar fazer cursos em paralelo à faculdade, cursos ligados
a terapias naturais, Homeopatia, Fitoterapia, etc., enquanto isto você trata de fazer um curso técnico
de contabilidade e tudo o mais que tiver sobre administração.
_ Mas Paula, Adriano vai querer saber porque eu resolvi me envolver com isso agora, e ele terminando a faculdade vai querer casar.
_ Eu acho que você vai ter que adiar, eu preciso de você.
_ Da minha parte eu não me importo, mas ele, sei não.
_ Você inventa qualquer coisa, fala que está ganhando pouco, que não vai querer ser sustentada pelo marido, que é melhor ele começar a trabalhar primeiro para não depender da mãe. Com jeitinho você vai levando.
_ E como você vai conseguir o dinheiro da sua mãe?
_ Eu, com o passar do tempo, vou fazer ela pensar que vou montar um destes lugares de descanso para ricos. Aí terei desculpa para comprar um sítio afastado, construir devagar os prédios.
_ E se ela resolver usar este sítio?
_ Quê? Minha mãe? Nunca! Ela apesar de quando moça viver cultuando a natureza, pedras, ela detesta mato. Ainda mais agora que vive para ganhar dinheiro. Viajando sempre por todo o país. Adriano então, pior, este só quer saber de clube para jogar tênis, em ascensão social e tomar whisky.
_ Tá bom, mas ainda falta muito tempo.
_ Você que pensa. Estes cursos demoram, é necessário muita dedicação para fazer tudo direito.
_ Como é? Está comigo nesta ou não?
_ É claro que sim, pode contar comigo para tudo, mas você sabe que nem eu, nem a minha família temos dinheiro, como então vou arcar com estes cursos?
_ Não se preocupe, já bolei isto também. Eu vou dizer para minha mãe que você futuramente vai trabalhar para mim. Ela defende o trabalho da mulher, ela com certeza vai te dar força.
Passaram os meses e os anos, Isabela apoiou a educação de Berta, principalmente que esta iria adiar o casamento do seu filho querido, o que vivia pensando na forma de fazer ele iniciar a vida profissional sem o peso de uma família.
Isabela elogiava o novo posicionamento da filha frente ao mundo, mais madura, sem sonhos loucos. Comprou um lindo sítio, que fez questão de por no nome da filha. Engordou a mesada dela para fazer frente a toda e qualquer despesa que tivesse em mente.
Paula fez com que Berta fizesse tudo quanto é curso e estágios que dessem conhecimento à amiga sobre administração e finanças, e ela já estava investindo toda a sobra de mesada, que dava para o que elas compravam e sobrava mais da metade.
O Hospital-Sítio-Escola estava pronto, Paula estagiava em um hospital de amigos da família. Berta conseguiu convencer Paula de que era necessário abrir a escola e o hospital às famílias de fazendeiros, que o dinheiro que estes pagassem facilitaria a manutenção e o atendimento aos carentes.
Era final do mês de outubro quando Isabela passou mal em uma de suas lojas, em uma cidade no interior do país. Foi transportada por um jato particular para o hospital em que Paula estagiava, mas só resistiu até a chegada do seu filho. Seu coração parou como o do seu pai.